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(Foto: Adamy Gianinni)

Renovações sem licitação e valores elevados colocam contrato da Prefeitura de Tabocas do Brejo Velho sob suspeita

Empresa contratada por dispensa de licitação recebeu mais de R$ 50 mil em quatro anos, com valor acima do praticado em órgãos similares

Adamy Gianinni
Adamy Gianinni
Sou jornalista e escritor, com formação em mídias digitais e gestão pública, e atualmente me especializando em jornalismo tecnológico. Minha missão é analisar, com independência e...
12 Minutos de leitura
(Foto: Adamy Gianinni)

A Prefeitura de Tabocas do Brejo Velho, Oeste da Bahia ignorou, por sete meses pedidos formais da Folha Geral, violando a Lei de Acesso à Informação (LAI) e colocando sob suspeita contratos com valores elevados para serviços básicos de comunicação institucional. O caso escancara a fragilidade da transparência municipal e revela uma cadeia de omissões e indícios de irregularidade que exige apuração urgente pelos órgãos de controle.

A origem: falta de água e promessa de solução

Em dezembro de 2024, a Prefeitura publicou em seu Instagram nota prometendo providências contra a falta de água no município e ameaçando acionar a Embasa. Na prática, as promessas não se confirmaram. A reportagem solicitou, via LAI, documentação sobre as supostas medidas adotadas. O pedido, datado de 26/12/2024, foi ignorado, contrariando prazos e regras previstos em lei.

Nem a formalização de denúncia ao Ministério Público surtiu efeito imediato: só após diligências do MP a Prefeitura respondeu — de forma informal, fora do sistema e-SIC, e confirmando que nada havia sido feito antes da pressão pública. Documentos fornecidos demonstram que a notificação à Embasa só foi emitida um mês após a publicação no Instagram, e a reunião com a Neoenergia Coelba (Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia), dois meses depois, sem qualquer comprovação da data em que a Embasa foi oficialmente notificada. O quadro sugere que o poder público só agiu após a exposição do caso pela mídia.

(Foto: Reprodução/Instagram)
(Foto: Reprodução/Instagram)

Da crise à suspeita: a trilha do contrato

Ao constatar a omissão sistemática nos pedidos de informação, a reportagem ampliou a investigação, voltando-se ao contrato de manutenção do site oficial do município:

  • Contrato nº 006/2021, firmado com a Régis e Araújo LTDA – ME (depois Régis Tecnologia LTDA – ME), por dispensa de licitação e valor anual fixo de R$ 12.600,00, pagos em 12 parcelas de R$ 1.050,00.
  • O contrato foi renovado por três anos consecutivos, sem concorrência pública e, até o momento, sem publicação de termo aditivo para 2025, embora os serviços aparentemente sigam sendo prestados.

Entre 2021 e 2024, a Prefeitura destinou mais de R$ 50 mil à mesma empresa, sem justificar tecnicamente as renovações e sem comprovação pública da efetiva execução contratual. Os pedidos de acesso a notas fiscais, relatórios de atualização, comprovantes de inserção de conteúdo, logs do sistema e-SIC e demais documentos de acompanhamento nunca foram respondidos — nem mesmo após recurso à ouvidoria, protocolado em 19/06/2025.

Apesar de divulgar formalmente em seu Sistema de Informação ao Cidadão (SIC) os prazos para resposta aos pedidos de acesso à informação — 20 dias, prorrogáveis por mais 10 mediante justificativa, e prazo recursal de 10 dias —, a Prefeitura de Tabocas do Brejo Velho comete um erro grave ao indicar como “autoridade competente” para apreciação de recursos o Presidente da Câmara Municipal.

(Foto: Reprodução/Site Prefeitura TBV)
(Foto: Reprodução/Site Prefeitura TBV)

Tal previsão é incompatível com a legislação e demonstra despreparo administrativo ou tentativa deliberada de confundir o cidadão: recursos de LAI referentes ao Poder Executivo devem ser analisados por autoridade hierarquicamente superior dentro da própria Prefeitura, jamais pelo Legislativo. Essa incongruência institucional escancara não apenas o desconhecimento das normas básicas de transparência, mas também reforça a percepção de que a omissão no acesso à informação é sistemática, seja por desorganização, seja por intenção de dificultar o controle social sobre a administração municipal.

Site desatualizado, transparência maquiada

Apesar do contrato exigir serviços como webmail, backup, manutenção, inserção de conteúdo e suporte, o site oficial permaneceu desatualizado, com publicações restritas ao básico exigido pelo Tribunal de Contas dos Municípios (TCM-BA). A transparência ativa é limitada; a passiva, inexistente. Em nenhum momento a Prefeitura comprovou o uso do e-SIC ou o atendimento a pedidos de informação, burlando o espírito e a letra da Lei 12.527/2011.

(Foto: Reprodução/Diário Oficial TBV)
(Foto: Reprodução/Diário Oficial TBV)

Comparativo revela sobrepreço e má gestão

A diferença de valores é gritante quando comparada ao contrato da Câmara Municipal de Vereadores, que nos mesmos anos investiu em solução tecnológica superior, com diagramação digital, carimbo de tempo, Diário Oficial próprio e atendimento regular à LAI.

  • A Câmara paga menos da metade do valor — R$ 3.450,00 a R$ 6.000,00 anuais, dependendo do ano.
  • Publica limitadamente o básico da transparência ativa, com evolução tecnológica e conformidade legal.

Já a Prefeitura mantém valor fixo e alto, serviços incompletos, ausência de resposta e ausência de aditivo para 2025, podendo estar operando sem contrato válido — o que é ilegal.

CritérioPrefeituraCâmara Municipal
EmpresaRégis e Araújo / Régis TecnologiaPROCEDE BAHIA
ObjetoManutenção do site oficialLocação de software e site com LAI + DOEM
Valor Anual (inicial)R$ 12.600,00R$ 3.450,00
Evolução do ValorFixo: R$ 12.600,00 ao anoCrescente: até R$ 6.000,00 em 2025
Forma de ContrataçãoDispensa – art. 24, II, Lei 8.666/932021–23: art. 24, II / 2025: art. 75, II, Lei 14.133/21
Prorrogações2022, 2023, 2024 (sem publicação em 2025)Todos os anos com novos extratos publicados
Legalidade da ProrrogaçãoQuestionávelRegular até 2025 com base legal atualizada
Recursos e ServiçosWebmail, backup, links internos, suporteCarimbo de tempo, DOEM, diagramação digital, etc.

Novos contratos, velhos problemas: a publicidade institucional

O caso ganhou novo capítulo em maio de 2025, com a assinatura de mais um contrato por dispensa de licitação, desta vez para divulgação de matérias institucionais.

  • Valor: R$ 36 mil em apenas oito meses (R$ 4.500,00/mês).
  • Empresa beneficiada: CLEUDETE COIMBRA DE QUEIROZ – ME (Ibotirama FM 88,3), cuja responsável, à época da apuração, figurava como diretora comercial do portal Velho Chico News na página institucional do próprio veículo — veículo de notícias regional.
  • O arranjo evidencia a sobreposição entre publicidade institucional e jornalismo local, levantando questionamentos sobre independência editorial, conflito de interesses e real necessidade do gasto.

Indicadores oficiais reforçam o quadro de omissão

Dados do Programa Nacional de Transparência Pública (PNTP), da Atricon, mostram que a Prefeitura de Tabocas do Brejo Velho atingiu apenas 14,8% no índice de transparência em 2023 — com vários quesitos (contratos, convênios, ouvidoria, despesa, diárias, educação, saúde, obras, SIC, entre outros) zerados. Nos anos de 2022 e 2024, o índice ficou em 0%, deixando claro o descompromisso institucional com a transparência.

Sete meses de apuração e portas fechadas

A Folha Geral tentou, repetidamente, contato por e-mail, pedidos via LAI e ouvidoria — sempre ignorada. Até o fechamento desta reportagem,

  • A Prefeitura não respondeu a nenhum pedido formal;
  • A Régis Tecnologia LTDA – ME não retornou contato (o espaço segue aberto para manifestação);
  • A rádio Ibotirama FM 88,3 foi convidada a se manifestar sobre o contrato de publicidade, mas até a publicação da reportagem não houve retorno.
  • O portal Velho Chico News foi convidado a se manifestar sobre o contrato de publicidade e respondeu após a publicação da reportagem. Nota no final da reportagem.
(Fonte: E-SIC Prefeitura de Tabocas do Brejo Velho)
(Fonte: E-SIC Prefeitura de Tabocas do Brejo Velho)
(Fonte: E-SIC Prefeitura de Tabocas do Brejo Velho)
(Fonte: E-SIC Prefeitura de Tabocas do Brejo Velho)

A urgência do controle social

A apuração detalhada mostra que a Prefeitura de Tabocas do Brejo Velho, além de ignorar a LAI e desrespeitar prazos legais, mantém contratos de valor elevado, com baixa efetividade e possível execução sem respaldo jurídico. O caso clama por investigação do Ministério Público e do Tribunal de Contas dos Municípios, para que sejam apuradas as responsabilidades e restabelecido o direito de acesso à informação.

Enquanto a transparência for tratada como marketing e não como dever constitucional, o cidadão seguirá refém do silêncio oficial. A imprensa cumpre seu papel, mas a resposta precisa vir dos órgãos de fiscalização e, principalmente, do poder público local. Diante dos fatos apurados, os casos de descumprimento da LAI estão sendo comunicados a organizações nacionais e internacionais de transparência para registro, acompanhamento e ampla divulgação dos fatos.

O outro lado

Após a publicação da reportagem, o portal Velho Chico News enviou notificação extrajudicial à Folha Geral, informando também o registro de boletim de ocorrência e solicitando retratação quanto à informação sobre vínculo societário ou de propriedade entre a rádio Ibotirama FM 88,3 e o portal.

Esclarecemos que, conforme apuração e consulta à página institucional do Velho Chico News à época da investigação, a responsável pela empresa vencedora do certame figurava como diretora comercial do referido portal, informação que posteriormente foi removida do site após contato da reportagem.

Ressaltamos, ainda, que, no perfil do Instagram da Folha Geral, foi publicada equivocadamente a afirmação de que o portal Velho Chico News pertenceria à mesma empresa da rádio Ibotirama FM 88,3. Tal informação está incorreta e já foi objeto de errata publicada, esclarecendo que se tratam de veículos e pessoas jurídicas distintas, embora com nomes que se cruzavam em funções institucionais anteriormente declaradas publicamente.

O portal Velho Chico News também alega ter respondido ao pedido de manifestação enviado pela reportagem. Não consta, no histórico de comunicações da Folha Geral, o recebimento de resposta ao pedido dentro do prazo estipulado para fechamento do material. O espaço permanece aberto para manifestação, esclarecimentos ou publicação de nota oficial.

*Esta reportagem foi originalmente produzida para a Folha Geral. Com o encerramento do veículo, ela está sendo republicada neste blog


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Sou jornalista e escritor, com formação em mídias digitais e gestão pública, e atualmente me especializando em jornalismo tecnológico. Minha missão é analisar, com independência e rigor, como política, tecnologia e mídia moldam a sociedade contemporânea — sempre com transparência, senso crítico e compromisso com a informação de qualidade.