Desde janeiro de 2023, moradores de Tabocas do Brejo Velho e outros municípios da região Oeste da Bahia enfrentaram o apagão de um serviço vital: o número 192, canal oficial para emergências médicas do SAMU, simplesmente não funcionava. Em um cenário em que minutos podem definir entre a vida e a morte, a inoperância do serviço levantou uma série de questionamentos sobre a articulação, a eficiência das esferas envolvidas e os riscos impostos à população.
Burocracia e silêncio: LAI e o tempo do cidadão
Este blog acompanhou o caso ao longo de quatro meses, enfrentando a morosidade imposta pelos prazos da Lei de Acesso à Informação (LAI) e a resistência de órgãos em responder plenamente. A Prefeitura de Barreiras respondeu ao pedido inicial de informações, mas não se manifestou quanto ao pedido complementar, sugerindo uma tentativa de se esquivar da responsabilidade ou, no mínimo, descaso diante da gravidade da situação.
A reportagem também entrou em contato com a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (SESAB) e o Ministério da Saúde, que atribuíram à Prefeitura de Barreiras e à Central Regional do SAMU a responsabilidade direta pela solução da falha, limitando-se a informar notificações formais e encaminhamentos, sem apresentar medidas efetivas de intervenção. O resultado foi um cenário de “jogo de empurra”, em que cada órgão se isentava do papel de liderar uma resposta concreta para restabelecer o número 192.
Documentos e ações (ou falta delas)
Documentos obtidos via LAI demonstram que, embora a Central de Regulação Regional do SAMU – sediada em Barreiras – seja formalmente vinculada ao município, houve delegação informal da responsabilidade de resolver o problema para coordenadores de base, sem centralização técnica ou administrativa. Ofícios e memorandos expedidos pela coordenação regional de Barreiras datam de fevereiro de 2023, indicando que as primeiras providências formais para tentar solucionar a inoperância do 192 começaram nesse período. Essa decisão fragmentou o esforço de resolução e enfraqueceu a resposta institucional. Mesmo diante do agravamento do quadro, a central orientou bases descentralizadas a buscar a Oi para cadastrar seus próprios números. Não há, porém, comprovação de resultado prático — e a coordenação regional de Barreiras, questionada, nunca respondeu oficialmente sobre o desfecho dessas tentativas.
Relatórios oficiais versus realidade nas cidades
Apesar das primeiras movimentações oficiais em 2023, relatos das secretarias municipais de saúde apontam que a inoperância persistiu ao longo de 2023, 2024 e 2025, com novas reclamações sendo enviadas aos órgãos reguladores e sanitários. Ao analisar processos anteriores na Anatel, este blog identificou que o problema foi considerado oficialmente resolvido em Barreiras. Na prática, porém, secretarias de saúde municipais continuavam a relatar a inoperância do 192, inclusive em Tabocas do Brejo Velho. Essa disparidade levanta dúvidas sobre a efetividade da fiscalização e a credibilidade dos relatórios apresentados por operadoras e órgãos reguladores.
Para a operadora Oi, as linhas do 192 estariam em total funcionamento. Contudo, memorandos e relatos constantes de coordenadores e equipes das bases descentralizadas de diversos municípios apontam outra realidade: muitos não conseguem acionar a Central de Regulação do SAMU pelo tridígito “192”. Entre as queixas mais recorrentes estão chamadas que não são atendidas, ligações que caem em outros estados ou municípios distantes dentro da Bahia (como Vitória da Conquista e Feira de Santana), ou apenas retornam sinal de linha ocupada.
As bases descentralizadas de Angical, Baianópolis, Barra, Barreiras, Buritirama, Brotas de Macaúbas, Cotegipe, Cristópolis, Formosa do Rio Preto, Ibotirama, Ipupiara, Luís Eduardo Magalhães, Mansidão, Morpará, Muquém do São Francisco, Oliveira dos Brejinhos, Riachão das Neves, Santa Rita de Cássia, São Desidério, Tabocas do Brejo Velho e Wanderley relataram dificuldade ou impossibilidade de contato pelo 192. Apenas a base de Brejolândia informou que, em seu município, o serviço segue normalmente.
Esse contraste entre os dados oficiais das operadoras e a experiência dos municípios afetados foi determinante para que novas providências fossem cobradas e um novo procedimento fosse instaurado pela Anatel, aprofundando a investigação sobre o apagão do 192 no Oeste da Bahia.

Abertura de novo processo na Anatel e movimentação da Oi
Diante da persistência do problema, e após reiteradas cobranças jornalísticas, este blog provocou a abertura de um novo procedimento na Anatel em maio de 2025, que resultou em uma força-tarefa envolvendo não só a agência e a Oi, mas também as operadoras TIM, Claro e Vivo. Segundo dados fornecidos pela Oi à Anatel — aos quais a reportagem teve acesso —, o serviço teria sido normalizado a partir de junho de 2025, após uma reconfiguração técnica que visou garantir a correta integração do número 192 nas redes móveis de toda a região.
Documentos da Anatel também evidenciam que, em escala nacional, tanto a agência quanto a Oi vêm enfrentando desafios relacionados a furtos e roubos de cabos de cobre, o que prejudica o funcionamento das linhas de emergência. Como resposta, estão em estudo novas soluções tecnológicas para reduzir a dependência dessa infraestrutura e tornar o serviço mais resiliente. No entanto, tentativas de contato direto com a Oi permaneceram sem resposta.



Alternativas precárias e riscos à vida
Com o 192 fora do ar, prefeituras e secretarias de saúde divulgaram números próprios alternativos em suas redes sociais — como o (77) 3612-2323, em Barreiras, e números locais em Ibotirama, Tabocas e Formosa do Rio Preto. No entanto, esses números não acionam o SAMU regional: são destinados apenas ao atendimento local, pois a ambulância do SAMU só pode ser deslocada mediante autorização da central de Barreiras. Esse fato agrava o risco para quem depende do atendimento regulado, potencialmente comprometendo o tempo-resposta em situações críticas.
Testes, instabilidade e falta de resposta institucional
Este blog realizou testes em Tabocas do Brejo Velho, conseguindo completar a ligação para a central do SAMU, mas relatos das secretarias indicam que o serviço segue instável — funciona em alguns momentos e falha em outros. Em Angical, por exemplo, a Secretaria de Saúde confirmou à reportagem que o 192 continua inoperante. Em Tabocas do Brejo Velho, a secretaria relatou à reportagem retorno parcial do serviço, mas reforçou a instabilidade.
Todos os esforços para contato com a coordenação regional do SAMU/Barreiras e com a Oi não foram respondidos, tanto por e-mail quanto por telefone. O silêncio das autoridades contrasta com a urgência da população, ainda vulnerável a falhas sistêmicas de comunicação em saúde.
A sequência de respostas evasivas, a morosidade dos processos e a ausência de informações claras deixam em aberto questões fundamentais sobre a responsabilidade dos entes públicos e das operadoras diante da garantia do serviço de emergência. A instabilidade do 192, que perdurou durante meses mesmo após declarações de solução, demonstra que o sistema de atendimento à urgência no Oeste da Bahia segue frágil — e vidas podem ter sido postas em risco durante esse apagão.
O espaço permanece aberto para manifestações dos órgãos envolvidos, operadoras e gestores públicos.
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